Friday, December 11, 2009

Fera

Sinto a felicidade me espreitando. Sinto-a lançando seus odores pelo ar, avisando que está próxima, tentando paralisar-me para então dar-me o bote.

Assustado, finjo-me de morto. Tenho medo da felicidade, medo de ser feliz errado. Sempre fui tão bom em ser triste que me sinto incapaz de ser qualquer outra coisa.

Ela me rodeia, me vigia, deixa os sinais de sua eminência. O júbilo que me aguarda promete ser cruel, me afogar na alegria sem espaços para respirar.

Eu, que sempre tentei ser uma pessoa boa, mas sempre preguei que não o era. Ora, não é isso que as pessoas fazem? Dizem que ninguém está próximo de ser uma pessoa boa? Não é isso que elas fazem? Não serem boas?

Eu, que sempre cultivei minhas virtudes e sempre as escondi sob a saia dos meus defeitos. Ora, não é isso que as pessoas fazem? Dizem que temos que devemos enxergar nossos defeitos? Não é isso que elas fazem? Enxergar nossos defeitos?

Sinto a mudança chegando, sinto o gosto da liberdade doce. Acostumei-me tão bem com o amargo na boca e assim, de chofre, vem o deleite da doçura me tontear.

Depois do céu azul cheio de nuvens brancas vêm as nuvens escuras, que lançam a garoa e depois a tempestade, para então deixar o Sol brilhar. Minhas pupilas ajustadas ao tempo nublado doem na claridade do dia aberto. Minha pele branca de morte arde, queima, assa ao calor humano.

Ah, eu que sempre aprendi a ser sozinho com medo de ficar sozinho. E não é isso que as pessoas fazem? Dizem que no final todos ficam sozinhos? Não é isso que elas fazem? Não querer ficar sozinhas?

Agora eu tento correr, mas não vejo saída. Só posso então tentar aprender a ser feliz ou ser infeliz por não saber sê-lo.

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